Dissertações e Observações

Thursday, 21 January 2021

A Grande Conspiração das Bolinhas Invisíveis

 

A Grande Conspiração das Bolinhas Invisíveis

Um conto infantil para adultos

Era uma vez umas bolinhas que eram tão pequenas que ninguém as via e muito menos se preocupava com elas, mas certa noite, enquanto todos dormiam descansadamente, elas reuniram-se e maldosamente conspiraram matar toda a população da Terra. Traçaram um plano, preparam-se e puseram o plano em prática. 

Mas felizmente, e para bem de todos, havia uns senhores muito inteligentes que desconfiaram das bolinhas e como eles eram muito cultos e estudados conseguiram desvendar as intenções malignas das bolinhas, e alertaram imediatamente toda a população da Terra.

Foi um pandemónio (ou pandemia como alguns lhe chamaram).

Em grandes alto-falantes os senhores inteligentes avisaram toda a população da iminência do perigo e revelaram imediatamente o que teria que ser feito para conter a invasão. Qualquer sacrifício valeria a pena para evitar tão grande mal. As bolinhas já andavam pelo ar, havia pessoas caindo mortas na rua, os hospitais enchiam-se e outros eram construídos à pressa. Tornava-se necessário fechar cidades inteiras e trancar as pessoas em casa. Nada era mais importante do que isso, nem mesmo ir trabalhar, ou ir à escola ou fazer reuniões de qualquer tipo. Nem mesmo visitar parentes ou amigos, ou fazer as coisas normais que se fazem para ajudar e amparar os outros. Não, todo o cuidado era pouco para evitar um mal muito maior.

Os idosos que viviam em lares foram desamparados e deixados entregues a si próprios porque afinal, o que é um idoso que não serve para nada em comparação com muita outra gente útil que podia ser salva? Os senhores inteligentes avisaram que todo o cuidado seria pouco e decretaram (para o bem de todos) que as crianças deveriam ficar em casa e evitar a todo custo brincar com outras crianças, teriam que passar o tempo como podiam (afinal sempre havia a televisão ou joguinhos online e outras coisas divertidas). Os adultos só sairiam em caso de força maior, mas sempre com um pano na cara para se esconderem das bolinhas que andavam no ar.

Logo foram decretadas 3 semanas de total isolamento. Todos foram avisados para estocarem alimentos e se fecharem em casa por 3 semanas e com a promessa que logo voltariam à vida normal. As viagens foram suspensas, as ruas ficaram desertas, as lojas e as fábricas foram fechadas e o ar ficou mais limpo, o azul do céu ficou mais azul e o branco das nuvens mais branco. Viram-se animais selvagens a andar livremente nas ruas desertas. Foi um tempo bonito, mas quando acabou, os animais voltaram para o mato, a poluição voltou para as ruas, e a ameaça permaneceu.

Ao fim de um ano a situação de emergência mundial em nada tinha mudado, pelo contrário, tinha piorado. Segundo os senhores inteligentes as bolinhas invisíveis permaneciam, e agora até mais espertas do que antes, porque tinham aprendido com os humanos e tinham-se tornado mais agressivas e traiçoeiras, e até se riam da gente como se fosse uma grande piada. Os senhores inteligentes, que sabiam tudo o que elas estavam a tramar, proclamaram à população que elas se preparavam para uma segunda e terceira invasão, já que a primeira não tinha surtido o efeito desejado de matar uns setenta milhões de pessoas como tinha sido planeado.

Porém a população começou a mostrar sinais de cansaço de tanto fugir e de se esconder dessas tais bolinhas invisíveis. Além disso nascia também uma certa confusão e dúvida na mente dos cidadãos, pois as liberdades, os direitos e as garantias que os senhores inteligentes tinham outrora defendido como sendo um direito fundamental de cada cidadão estavam agora a ser retirados por estes mesmos senhores. Essa confusão gerava crises que poderiam até causar outros problemas maiores. Porém ainda assim a população continuava a esperar pacientemente e a acreditar que em breve tudo se iria resolver como tinha sido prometido.

Entretanto, os senhores inteligentes não mediam esforços de salvamento porque só eles sabiam o verdadeiro perigo que o mundo corria. Mandaram colocar alto-falantes de 100 em 100 metros nas ruas para manterem o povo ao corrente de todos os ataques das bolinhas e das vítimas que estas continuamente faziam. Essa medida, além de manter a população informada, pretendia sobretudo marcar no povo a consciência da grande gravidade e seriedade da situação e fazer com que os mais levianos e irresponsáveis tomassem cuidado e aprendessem a temer pela sua própria vida já que não se preocupavam com a vida dos outros. Todo o cuidado era pouco, todos os sacrifícios eram válidos.

Foram recrutados serviços especiais para garantir que a população obedecia estritamente às regras sabiamente impostas, e recomendou-se que os mais fiéis denunciassem os mais levianos que pelo seu descuido continuamente punham em perigo a vida dos restantes. Mais decretaram que se fizesse todo o possível para evitar que os rebeldes e descontentes falassem entre si ou, pior ainda, que desencaminhassem os que já seguiam fielmente as instruções dadas pelos senhores inteligentes cuja única intenção era zelar pela saúde de todos.

E no seu sempre bondoso e paternal interesse pelos demais, os senhores inteligentes consolaram a população explicando que estavam a trabalhar arduamente na preparação de uma poção mágica capaz de neutralizar os ataques das bolinhas invisíveis. Essa poção mágica seria dada obrigatoriamente a cada pessoa do planeta e os que recusassem seriam confinados a certos locais isolados, ou seriam reeducados em instituições especiais que já estavam prudentemente a ser preparadas.

O sábio plano era criar uma raça humana mais forte e imune a este e a todos os outros ataques à sua saúde. Haveria uma fase experimental que iria provavelmente requerer o sacrifício da vida de muita gente infeliz, mas não seria nada mais que um processo de seleção natural da raça em que só os mais fortes e capazes restariam para herdar um mundo soberbo e glorioso.

Epílogo:

Como acabará esta história? Conseguirão desta vez os senhores inteligentes levar a cabo a sua sinistra intenção? Acho que muito vai depender de todos nós. Quanto a mim creio que a história acabará o melhor possível senão não estaria aqui perdendo tempo a escrever isto. 

Os "senhores inteligentes" desconhecem o poder infinito da vontade livre do ser humano, e nos seus cuidadosos planos não levaram isso em conta. 

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